Wednesday, June 20, 2012

Dia 15 - Desacelerou

Se no sábado o movimento da cidade já estava bastante reduzido, as minhas expectativas para o domingo não eram mais animadoras. A bem da verdade, eu sempre acabo perdendo a noção de dia da semana seja pelo fato de estar viajando e não ter de se preocupar com isso, ou seja, todos os dias são iguais, ou pelo fato de que via de regra as cidades do Sudeste Asiático tem movimento o dia todo todos os dias, o que não parece ser o caso de Solo.

O objetivo do dia, além de andar a esmo, é claro, era ir até a rodoviária e comprar a passagem para o próximo destino. Eis que quando eu saio do hotel e chego naquela grande avenida larga e com calçadas amplas eu me deparo com uma multidão de pessoas andando, correndo, andando de bicicleta e aproveitando o belo domingo de sol com a família. Não se tratava de alguma comemoração; a avenida larga de calçadas amplas estava de fato fechada para a circulação de veículos motorizados. Pelo menos no domingo a cidade deixou o clima de aparente abandono para trás.

Passagem comprada e é hora de mimar um pouco o estômago. Confesso que as comidas aqui estão um pouco distantes de ter o apelo visual dos pratos tailandeses, o que faz com que eu sempre fique com o pé atrás quando é para variar o cardápio além do duo nasi/mie goreng e gado-gado. No restaurante, pedi o mesmo que dois rapazes ao meu lado estavam comendo: algo parecido com uma sopa com arroz, frango e vegetais diversos. A opacidade do prato, combinada com um cheiro que não parecia ter ligação com os ingredientes utilizados despertaram meus medos culinários, mas isso durou até a primeira colherada. Tudo tem a ver com costume. Um prato meio esquisito aqui, outro ali e você, por fim, passa a gostar da comida de fato. Soto ayam passou a ser um dos meus preferidos, ao lado do bakso, que também passou pelo processo rejeição-curiosidade-receio-aceitação.

Na saída, paro em uma das inúmeras barriquinhas que vendem srabi, um tipo de panqueca doce (banana/chocolate) que custa algo como 30 centavos de real. Ela é tão fina, mas tão fina, que é preciso pelo menos uma meia dúzia para saciar a vontade de doce. Ainda na rua, uma parada em uma loja de pães e outra em uma barraca de frutas. Eu gosto de observar a higiene ou a falta dela quando as pessoas manuseiam alimentos. Não que isso vá me impedir de comer, muito pelo contrário. Eu gosto de pensar que os germes e micróbios tem papel importante na manutenção de nossa imunidade. Peguei uma nota surrada, entreguei para o vendedor e este por sua vez descascou algumas frutas, pegou (com a mão do dinheiro) outras frutas já descascadas, colocou em um saco e me deu. Sento-me em um banco de uma praça para comer (com a mão do dinheiro) as frutas enquanto duas pessoas atiram em pássaros  com uma arma de chumbinho. Alguns caem estatelados e mortos e outros caem atordoados. Não sei se há um propósito (comida/recreação/dinheiro) nisso, mas fico pelo menos uma hora observando os furtivos movimentos dos atiradores no matagal da praça. Do outro lado da rua há um mural com os jornais do dia e boa parte das pessoas que passam por ele param para ler as notícias. E assim continuou o meu dia; andei, parei, comi, observei alguém/alguma situação, voltei a andar, parei novamente para observar algo e voltei a andar. O tempo realmente desacelerou.


Sunday, June 3, 2012

Dia 14 - O Ocidente não é aqui?

O guia de viagem e mesmo algumas referências na internet destacavam que Solo, ou Surakarta, era talvez a a cidade menos "ocidentalizada" de toda ilha de Java, além do fato de que ela funciona como pólo cultural da ilha mais populosa da Indonésia.

Quando cheguei, tive uma certa dificuldade para conseguir sair da rodoviária e uma dificuldade maior ainda para encontrar um hotel nas congestionadas ruas que cortam a avenida principal. Como sempre, os preços anunciados na internet ou no guia estão bem abaixo e mesmo pedindo algum desconto a diferença continua grande.

A avenida principal é um tanto quanto diferente do que eu já tinha visto até então. Ela muito, mas muito larga e deve ter, sei lá, uma dúzia de faixas. Ela lembra um pouco a 9 de Julho após a São Gabriel, em direção à Marginal Pinheiros: bem arborizada e com canteiros não apenas separando as faixas opostas, mas também aquelas que correm para o mesmo lugar. Em uma das laterais há um trilho de trem que corre por toda a avenida, mas parece estar desativado, já que no tempo em que fiquei perambulando não ouvi e nem vi trem algum. Nesse mesmo lado, a calçada é enorme, algo como seis, sete metros de largura.

Apesar do movimento intenso na rua e nas calçadas, são poucas as lojas abertas, a grande maioria de eletroeletrônicos, e isso de certa forma causa uma estranha sensação ambígua de que a cidade está florescendo e abandonada ao mesmo tempo. É algo meio taciturno com o qual demorei um pouco a me acostumar.

A fome logo bateu e nada de encontrar os restaurantes de calçada com comida rápida e fácil. Há restaurantes, muitos chineses, mas eu não me sinto à vontade de entrar sozinho, pedir a comida, esperar e comer. É como se todos olhassem para você pensando "por que cargas d'água essa pessoa está sozinha aqui?". A chuva começou a cair, assim como a noite, e o movimento da cidade reduziu-se bastante e nada de encontrar um restaurante de rua. Achei um shopping gigantesco com incontáveis lojas de venda e manutenção de celulares, um McDonalds e um KFC às moscas, mas nada de restaurantes de rua. Não achei nem as lojinhas que ficam abertas 24 horas, tão comuns em Yogya.

Por fim, rendo-me a um restaurante movimentado e com um grande letreiro, o "Kusuma Sari". Ele é frequentado basicamente por famílias (pai, mãe, filhos e eventualmente outros parentes) que chegam de carro e se dividem entre os dois tipos de comida disponíveis no cardápio: ocidental e indo, esta última sendo na melhor das hipóteses, digna. A trilha sonora é composta de pop ocidental como No Doubt e Lady gaga, mas nada de música local.

Toda essa descrição para fazer uma contraposição ao fato de que Solo é a cidade menos ocidentalizada de Java. Em alguns pontos, certamente, mas em outros, como no caso da avenida larga, arborizada e com amplas calçadas, a faz se distanciar daquilo que temos como imagem das cidades do Sudeste Asiático, muito embora uma mera avenida passe muito longe de ser uma representação concreta de uma cultura. E bota longe nisso.